Porto de Santos tem falha histórica por falta de ações do poder público

Problema faz com que o cais santista acumule prejuízos com profundidade inadequada para grandes navios

Por A Tribuna – 11 de junho de 2024 às 08:39

A profundidade inadequada no canal de navegação do Porto de Santos vem gerando falta de competitividade e causando sérias perdas econômicas. A falha é histórica e demonstra a ausência de planejamento e ações concretas do poder público ao longo dos anos.

A profundidade fica hoje entre 13,5 metros, na maré baixa, e 14,5 metros, na alta, o que acaba restringindo a chegada de navios maiores, em meio ao crescimento do comércio exterior. E mesmo as embarcações que entram são subaproveitadas, por não conseguirem operar em sua capacidade máxima devido à limitação do calado.

Para se ter uma ideia, o padrão mais comum de tamanho de navio é para 11,5 mil contêineres de 20 pés, que precisa de um calado de 16 metros para utilizar seu máximo potencial. Ou seja, precisa operar com menos carga em Santos

“Essa diferença de 1,5 metro (de profundidade) significa a perda de 1 milhão de toneladas por ano, 18 mil toneladas por semana, ou 62,4 mil TEU (unidade de medida de um contêiner) por ano e 1,2 mil por semana. Mesmo se fosse só um centímetro, a embarcação já deixaria de transportar de oito a dez contêineres”, alerta o diretor-executivo do Centro Nacional de Navegação Transatlântica (Centronave), Claudio Loureiro.

Perdas

A entidade projeta, de acordo com dados da consultoria Solve Shipping, uma potencial perda de carregamento no ano de 499,2 mil contêineres, equivalente a uma receita que gira em torno de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,3 bilhões), considerando um frete médio de US$ 2 mil (aproximadamente R$ 10.5 mil) por contêiner.

Entre importações e exportações, levando-se em conta a perda de competitividade da carga, chega-se a US$ 20 bilhões (R$ 108.8 bilhões). “É muito sério isso. Uma situação, para usar um adjetivo mais forte, bizarra. Tenho todo o Porto preparado, com milhões de dólares investidos em embarcações pelos armadores e outros milhões pelos acionistas dos terminais de contêineres, além do próprio Porto, mas não consigo usar na plenitude porque não tenho a profundidade”, afirma Loureiro.

Setor produtivo A limitação foi destacada pelo presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Ricardo Santin. A entidade representa companhias como BRF, Cargill e Seara. Ele afirma que grandes navios que passam pelo Brasil atualmente operam com apenas 70% da capacidade porque, caso fossem maiores, o peso não permitiria a saída da embarcação, prejudicando as exportações.

Em nota, a ABPA informa que o setor está enfrentando “gargalos logísticos severos”, que já tem impactado a competitividade e poderá “sufocar o escoamento dos exportadores” no curto prazo. A entidade ressalta que, até o fim de 2022, o setor produtivo contava com um total de 20 berços de atracação e oito terminais localizados entre os portos de Rio Grande e Santos – que concentram a maior parte absoluta dos núcleos exportadores de proteínas de aves e de suínos do Brasil. “Contudo, devido a inativação de parte da infraestrutura portuária, hoje o setor conta apenas com 15 berços, ou 25% a menos do que foi há dois anos atrás”, acrescenta, em nota, a ABPA.

Brasil atrasado

Desde 2021, o complexo portuário santista está entre os seis brasileiros com operação de contêiner homologados para receber navios de 366 metros de comprimento, com capacidade para transportar até 14,4 mil contêineres. Os outros portos são os de Sepetiba (RJ), Salvador (BA), Suape (PE), Rio Grande (RS) e Paranaguá (PR). Nenhum deles, porém, está apto a operar integralmente justamente em razão das limitações de calado.

A primeira embarcação deste porte presente em Santos foi o MSC Natasha XIII, em 1º de fevereiro deste ano. “Quando um navio assim chega, para o Porto. Precisa, dentre outras coisas, do uso de seis rebocadores, da presença de dois práticos, a manobra só pode ser diurna, só pode fazer atracação, desatracação e giro com a maré parada, interrompe a travessia de balsas e mobiliza várias autoridades. Enfim, é um evento. Parece que está chegando um circo novo na cidade do Interior. Não precisaria ser assim”, detalha o diretor-executivo do Centronave, Claudio Loureiro.

A capacidade dos navios que estão sendo construídos é um ponto importante. “Para se ter uma ideia, de todos os navios porta-contêineres em construção para entrega deste ano até 2026, 70% deles são de navios acima de 10 mil TEU. Diria que 70% não entrariam em portos brasileiros, incluindo o de Santos, não fosse esse experimento recente com o 366. Se admitirmos que navio 366 entra, mas com limitação, puxo a régua mais para baixo e posso chegar a 47% da frota em construção nos estaleiros sem possibilidade de entrar em qualquer porto brasileiro”, explica Loureiro.

Além disso, a evolução dos navios também contempla outro aspecto: o da eficiência energética, algo que fica em risco diante do quadro atual. “Parte dessa frota está sendo projetada e construída para utilizar combustíveis não fósseis e alternativos. O fato de eu não receber navios maiores em Santos, acima daquele padrão de 11,5 mil TEU, significa que eu vou estar condenado a usar navios menos eficientes energeticamente”, argumenta Loureiro.

Concessão do canal

As tratativas para a concessão do canal de navegação do Porto de Santos foram iniciadas em conjunto pelo Ministério de Portos e Aeroportos (MPor), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Autoridade Portuária de Santos (APS).

Estuda-se modelagem de parceria público-privada (PPP) e contrato de 25 anos para gestão e exploração, que tem como modelo o Porto de Paranaguá (PR). Também será incluída a dragagem de aprofundamento e manutenção para 17 metros. Em março, a APS anunciou R$ 6,5 bilhões para esse serviço.

“A dragagem até 16 metros será executada pela APS, até o final deste ano, e a de manutenção até 2026. Já a obrigação de passar de 16 para 17 metros será do concessionário. Em 2026, a gente deve estar assinando esse contrato”, afirmou, em entrevista recente para A Tribuna, o secretário nacional de Portos e Transportes Aquaviários, Alex Sandro de Ávila.

A previsão, segundo nota do MPor, é submeter o projeto à audiência pública em dezembro e, posteriormente, realizar o leilão, possivelmente em 2025. “Serão feitas rodadas de discussão com o mercado para entender as necessidades dos players (grupos empresariais). O objetivo é proporcionar um canal que atenda às necessidades da Baixada Santista, a fim de garantir segurança e redução de custos”, diz o texto.

Calado ideal

A definição do calado ideal é um debate que permeia o setor. O diretor-executivo do Centronave, Claudio Loureiro, defende que a meta deveria ser de 17 metros, justamente para atender os navios 366m. “Mas, para utilizarmos as embarcações que já temos, precisaríamos já de 16 metros”, afirma.

Especialista em infraestrutura, consultor portuário e sócio da Graf Infra Consulting, Rodrigo Paiva caminha na mesma linha de raciocínio. “A maior classe de navios a acostar no Brasil possui cerca de 366m e calados variando em torno de 14 e 15 metros, a depender do navio. Claramente, com uma breve consulta às profundidades dos canais de acesso dos portos locais, há restrição quanto ao atendimento pleno a esses navios. Considerando os fatores gerais para um calado de 15m, a profundidade dos canais deveria variar entre 16,5 metros e 19,5 metros”.